quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Morgana fala...

Em vida, chamaram-me de muitas coisas: irmã, amante, sacerdotisa, maga, rainha. O mundo das fadas afasta-se cada vez mais daquele em que cristo predomina. Nada tenho contra o Cristo, apenas contra os seus sacerdotes, que chama a Grande Deusa de demônio e negam o seu poder no mundo. Alegam que, no máximo, esse seu poder foi o de Satã. (...) E agora que este mundo está mudado e Arthur – meu irmão, meu amante, rei que foi e rei que será – está morto (o povo diz que ele dorme) na ilha sagrada de Avalon, é preciso contar as coisas antes que os sacerdotes do Cristo Branco espalhem por toda parte os seus santos e lendas.

Pois, como disse, o próprio mundo mudou.

(...)

A verdade tem muitas faces e assemelha-se à velha estrada que conduz a Avalon: o lugar para onde o caminho nos levará depende da nossa própria vontade e de nossos pensamentos, e, talvez, no fim, chegaremos ou à sagrada ilha da eternidade, ou aos padres, com seus sinos, sua morte, seu Satã e Inferno e danação...Mas talvez eu seja injusta com eles. Até mesmo a Senhora do Lago, que odiava a batina do padre tanto quanto teria odiado a serpente venenosa, e com boas razões, censurou-me certa vez por falar mal do deus deles.

“Todos os deuses são um deus”, disse ela, então como já dissera muitas vezes antes, e como eu repeti para as minhas noviças inúmeras vezes, e como toda sacerdotisa, depois de mim, há de dizer novamente, “e todas as deusas são uma deusa, e há apenas um iniciador. E cada homem a sua verdade, e Deus com ela”.

Assim, talvez a verdade se situe em algum ponto entre o caminho para Glastonbury, a ilha dos padres, e o caminho de Avalon, perdido para sempre nas brumas do mar do Verão.
Mas esta é a minha verdade; eu, que sou Morgana, conto-vos estas coisas, Morgana que em tempos mais recentes foi chamada Morgana, a Fada.


("As Brumas de Avalon - A senhora da Magia" - M. Z. Bradley)

(Imagem: Fortune City)

A Papisa

(Imagem: Oliver Burston)

Sacerdotisa, Juno, Hera. Às vezes é retratada grávida. Seu rosto está quase coberto, como se ela tentasse esconder sua verdadeira identidade. Em sua mão direita um livro que pode ser o I-ching, a Tora ou a Bíblia.
O animal que lhe acompanha pode ser o gato ou o leão símbolos da magia e sabedoria ou um Pavão, símbolo da aparência, da renúncia e do poder de transformação.
Se em sua lenda ela escondeu sua identidade, era sábia porque gostava de ler, assumiu um alto cargo religioso (o de papa, ou papisa) e depois ficou grávida, são estes os elementos simbólicos que marcam esta carta e todo o seu significado: coisas escondidas, ocultas, sabedoria, espiritualidade, o poder feminino e a maternidade.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Vermelho

(Imagem: Yinsights)

"Eu sou uma mulher que sempre achou bonito menstruar.
Os homens vertem sangue por doença
Sangria
Ou por punhal cravado,
Rubra urgência a estancar
Trancar no escuro emaranhado das artérias.


Em nós o sangue aflora como fonte
No côncavo do corpo
Olho d'água escarlate
Encharcado cetim que escorre em fio.
Nosso sangue se dá de mão beijada
Se entrega ao tempo
Como chuva ou vento.


O sangue masculino tinge as armas e o mar
Empapa o chão e os campos de batalha
Respinga nas bandeiras
Mancha a história.


O nosso vai colhido em brancos panos
Escorre sobre as coxas
Benze o leito
Manso sangrar sem grito
Que anuncia a ciranda da fêmea.


Eu sou uma mulher que sempre achou bonito menstruar.
Pois há um sangue que corre para a Morte.
E o nosso que se entrega para a Lua."
("Eu sou uma mulher" - Marina Colasanti)

sábado, 26 de setembro de 2009

Para L., com amor (Parte 1)

Sabe, L., tenho pensado em como fazer com que você saiba tudo aquilo que eu tenho pra te contar. Coisas que eu não desejo que você siga, goste ou aceite. Mas são coisas que eu gostaria que você ao menos soubesse sobre sua mãe, sobre a vida, sobre o mundo.Tenho medo de esquecer de algum detalhe quando eu estiver encantada demais com você e acabar por deixar de lado o que é realmente importante e o que você deve saber pra fazer com que a vida seja um pouco menos dura. Sim, porque um dia você vai perceber que ela não é nada fácil. Mas espero que você, em algum momento de sua vida, se dê conta de que é isso o que a torna encantadora. É tornar a vida menos miserável que nos torna pessoas melhores e isso é evoluir (vou falar sobre isso mais adiante, num capítulo à parte).
Hoje, meu anjo, deixo-lhe a letra de uma música que diz muito. Eu diria que ela resume o que eu quero que você saiba pra começar, pra se manter em pé.
E se amor é tudo o que você precisa, filho(a), acredite: você já tem tudo. E muito mais.
Love, love,love
Love, love, love
Love, love, love
There's nothing you can do that can't be done
Nothing you can sing that can't be sung
Nothing you can say but you can learn how the play the game
It's easy
There's nothing you can make that can't be made
No one you can save that can't be saved
Nothing you can do but you can learn how to be you in time
It's easy
All you need is love
All you need is love
All you need is love, love
Love is all you need
Love, love, love
Love, love, love
Love, love, love
All you need is love
All you need is love
All you need is love, love
Love is all you need
There's nothing you can know that isn't known
Nothing you can see that isn't shown
No where you can be that isn't where you're meant to be
It's easy
All you need is love
All you need is love
All you need is love, love
Love is all you need
('All you need is love' - Lennon/McCartney)

Das mais belas coisas

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Sobre chifres e unicórnios


Não procure chifres em cabeça de cavalos, pois os unicórnios existem para nos fazer sonhar.” (Chico César)

Platônico


(Imagem: Fotos e Imagens)

Desde sempre, minha casa foi 'estadia' ou 'casa de passagem' para os muitos gatos de rua alimentados e cuidados pela Dona Joana, minha quase-vizinha da rua do lado. Sempre fui acostumada a vê-los perambulando tranquilamente pelo meu quintal. Acredito que a minha deveria ser a casa que eles mais gostavam: ninguém os tratava como intrusos. Estavamos acostumados com a presença deles.


Isso até a chegada do meu pequeno, porém "neurótico" cachorro. Foi ele crescer um pouco, deixando de ser filhote, e acabaram-se os gatos no quintal. Isso porque ele os odiava. Latia e corria atrás deles. Não sobrava um único para contar a história.


A vingança tarda, mas não falha e meu cachorro, há algum tempo, está ficando velho, 'sono-lento' e preguiçoso. Ainda late um pouco para as visitas, mas não se incomoda mais com os gatos como antes. Pelo menos já não late e não os persegue. Por consequência, eles voltaram. O fato deles voltarem não incomodou tanto a mim e meu sono pesado quanto ao meu pai e seu sono mais que leve, já que eles fazem uma sinfonia em cima do telhado e o coitado não consegue dormir.

Gatos à parte, somente de um me interessa falar, de fato. Eu nunca tive um gato, sempre preferímos os cachorros. Mas com o advento da velhice precoce do meu pequeno cão, a chegada do meu primeiro foi inevitável. Foi num dia, desses "que a gente se sente como quem partiu ou morreu" e estava eu, mais uma vez sentada no meu quarto, olhando através da janela o meu Ipê Amarelo todo desfolhado pelo outono que, pra mim, parecia interminável, quando olho algo se mexendo por entre os galhos. Fixei os olhos e qual não foi minha surpresa quando percebi que era um gato. Ou melhor, era o gato mais lindo que eu já havia visto. Enfiei na cabeça, logo de primeira: cinza, nariz pequeno, olhos bem desenhados, todo delicado...um legítimo francês.


Fiquei mais surpresa ainda quando ele permaneceu me fitando por longos minutos. Longos mesmo. Só para que se possa entender, o ipê fica do outro lado do muro da minha casa, no quintal gigante da vizinha louca, o que não é nem longe, nem perto da minha janela. E ainda assim ele me percebeu. E me olhava, como quem quisesse dizer alguma coisa.


Daquele dia em diante, ele começou a aparecer sempre que as coisas não iam bem, nos momentos críticos, como que querendo me lembrar que tudo acabaria bem. Que o sol sempre aparece depois de um tempestade daquelas. E a cada chegada (acredite, foram muitas) eu o sentia mais meu. Era como se ele me pertencesse.Tive que chamá-lo por um nome. Pensei em chamá-lo Jorge, nome de um professor da faculdade que morou anos em Paris e nos deu um pedacinho da França a cada aula, encantado-nos com tamanha beleza de cultura, mas decidi que Jorge não é lá um nome muito francês. Não me pergunte porque, mais o nome escolhido foi Lafayette. Afinal, pra mim, o gato é francês e merecia um nome à altura. Com o tempo, passou a fazer estripulias pelo ipê que a essa altura estava tão cinza quanto ele, o que ainda me deixa um tanto apreensiva. Ele escolhe os galhos mais finos que puder para ficar deitado ou para conseguir chegar o mais próximo possível de uma rolhinha desatenta. E eu, acometida do que chamo de 'sindrome de mãe sem filhos' chego a perder o ar tamanho o desespero e o medo de que ele caia dali e tenha que abrir mão de uma das suas famigeradas 'sete vidas'.


Lafayette é meu gato-platônico. Ele é meu, mas não sabe. Pelo menos eu acho que não. E isso pouco me importa contanto que ele esteja aqui de vez em quando, só pra me dar um pouco de ação, me fazendo esquecer do que é preciso esquecer e me lembrando que tudo vai ficar bem. Sempre. E que assim seja.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Adote uma caneca!

(Imagem: Loja do Lar)

Sim, eu ando com uma caneca de plástico verde na bolsa. Na faculdade isso é muito comum. Quando adotei a minha, eu me achava "a" estranha fora da faculdade quando todos ficavam me olhando como se eu fosse um alienígena portando uma caneca de plástico. E verde. Não que isso não tenha mudado, mas agora quem mudou foi eu. Não acho estranho. As pessoas é que acham. Para mim, é mais que normal: é necessário.

Gosto de saber que cada copo descartável que eu não uso contribui e muito para o meu futuro, para o futuro dos meus futuros filhos e para o de tantas outras criaturas (cada copo descartável leva aproximadamente 4 séculos para de desintegrar).

Atitude simples, benefício enorme.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Chegaram!

(Imagem: Jeune fille lisant de Alexei Alexeievuitsch, 1878)

Celebrando a chegada de novos e velhos amigos com um sentimento de posse: agora são meus. Não são emprestados, de propriedade de bibliotecas, amigos ou parentes: agora são meus.

Penso na possibilidade de poder rabiscá-los, grifá-los, levá-los para onde quiser, sem medo: agora são meus.

Nada substitui a chegada de amores antigos: "Felicidade Clandestina" (Clarice Lispector), "Os Miseráveis" (Victor Hugo), os quatro volumes de "As Brumas de Avalon" (Marion Zimmer Bradley) e "Alice no País das Maravilhas" (Lewis Carroll).

Além desses, um amor novo: "Shantala" (Frédérick Leboyer). Fotos lindas e muita técnica com sabor de poesia.

"Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada. Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante." (C. Lispector)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Um sopro de vida

(Imagem: Evora)

"Se este livro vier jamais a sair, que dele se afas­tem os profanos. Pois escrever é coisa sagrada onde os infiéis não têm entrada. Estar fazendo de propósito um livro bem ruim para afastar os profanos que que­rem "gostar". Mas um pequeno grupo verá que esse "gostar" é superficial e entrarão adentro do que ver­dadeiramente escrevo, e que não é "ruim" nem é "bom".

A inspiração é como um misterioso cheiro de âmbar. Tenho um pedacinho de âmbar comigo. O cheiro me faz ser irmã das santas orgias do Rei Sa­lomão e a Rainha de Sabá. Benditos sejam os teus amo­res. Será que estou com medo de dar o passo de morrer agora mesmo? Cuidar para não morrer. No entanto eu já estou no futuro. Esse meu futuro que será para vós o passado de um morto. Quando acabardes este livro chorai por mim um aleluia. Quando fechardes as últi­mas páginas deste malogrado e afoito e brincalhão li­vro de vida então esquecei-me. Que Deus vos abençoe então e este livro acaba bem. Para enfim eu ter re­pouso. Que a paz esteja entre nós, entre vós e entre mim. Estou caindo no discurso? que me perdoem os fiéis do templo: eu escrevo e assim me livro de mim e posso então descansar."

('Um sopro de vida' de Clarice Lispector)

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Mulher


(Imagem: 'Poème de l’âme' de Louis Janmot)
Lembra mulher de quando teus pés descalços pisavam na terra molhada, depois da tempestade tão esperada.
Recorda quando teus ouvidos sabiam compreender as mensagens que o vento assoprava para o teu espírito.
Inspira fundo e sente o aroma daquela época onde viveste próxima aos frutos e às flores e tudo acontecia em tempo certo, sem apressamentos.
Compreende que teu corpo e tua alma obedeciam à voz da Grande Mãe, e tua vida fluia plena de sabedoria, pois tu representavas a Deusa, o Sagrado Feminino, e de ti resplandecia toda a generosidade.
Recorda que conhecias bem os mistérios da lua, tua irmã, e te guiavas por instintos e intuições, sonhavas com as respostas e cheia de confiança em teu coração guiava a tua vida e de tantos outros por caminhos seguros.
Tua natureza, sempre disposta a dar vida e dela cuidar, ligada por estreitos laços aos ritmos e ciclos do universo, sabia cantar e dançar, e assim espalhava alegria pelo norte, pelo sul, pelo leste e pelo oeste, sem perder o teu centro.
Rosa dos ventos e dos tempos, hoje estás novamente aqui, mas não te esqueça jamais de continuar a cumprir o teu sagrado papel.
O Universo ainda carece do teu feminino...Ah! Então canta e dança...
E o destino dos homens se cumprirá!
(Autoria desconhecida)

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Espera

É como se cada dia dos últimos dias fosse um prelúdio do que está por vir.
Medo, dor e alegria. Tudo junto e mais que misturado: necessário e esperado. Ou não?
A cada dor uma pontada da certeza: a aproximação.
É a espera de não se sabe o que. É a certeza do que não se conhece bem.
É como se cada dia dos últimos dias fosse o apito de um trem que parece nunca chegar, mas que se vê apontar ao longe.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Setembro


Saudades de Paraty, a cidade com mais portas e janelas que eu já conheci. A mais bela, também. Lugar para admirar, sonhar e , tal qual suas portas e janelas, escancarar o peito tamanha a alegria que proporciona. Só estando lá, mesmo.

Quando entrar setembro
E a boa nova andar nos campos
Quero ver brotar o perdão
Onde a gente plantou
Juntos outra vez

Já sonhamos juntos
Semeando as canções no vento
Quero ver crescer nossa voz
No que falta sonhar

Já choramos muito
Muitos se perderam no caminho
Mesmo assim é facil inventar
Uma nova canção
Que venha nos trazer

Sol de primavera
Abre as janelas do meu peito
A lição sabemos de cor
Só nos resta aprender...

(Beto Guedes - Sol de Primavera)