segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A Pecadora confessa...




"Não há necessidade de grelhas, o inferno são os outros." (Sartre)


Não há prazer em matar. Há necessidade. Vez em quando mato baratas, formigas, mosquitos e outros insetos afins. Mas não gosto. Só o faço quando é estritamente necessário. Olho pro corpo estendido, esmagado e me arrependo. Não há prazer envolvido nisso. Matei-o porque? Porque olhá-lo me dava nojo? Porque seu zumbido me irritava os ouvidos? Ou seria o medo? Medo de que me ataque?


Enfim...nunca parei pra contar meus cadáveres.

Mas confesso, ainda, que matei outras espécies: amigos, amores, parentes ou meros conhecidos.

Alguns foram mortos pela minha conhecida memória fraca e pouco conectada ao coração. Esses delitos foram indolores, dada a procedência das vítimas. Pouco me importaram. Levaram pouco e deixaram menos ainda.

Alguns, poucos, são meus piores feitos. Esses são os que doem. Revivo, vez em sempre, cada passo dado para que o dia de sua morte fosse inevitável. Pego-me pensando se os matei ou os roubei. Sim, porque esses continuam andando por aí, com os mesmos corpos moribundos de sempre e acredito que eu os tenha roubado a alma, já que agora fazem uso de uma outra, de pior ou menor qualidade, que não são as mesmas de antes.

Roubei. Sim, roubei suas almas e as guardei, cada uma em seu pote, devidamente ornamentado e estocado num canto qualquer dentro de mim. Vez em quando seus invólucros brilham tanto que se conectam ao coração, à mente e as lembranças de suas belas almas me reavivem o desejo de ressuscitá-los.
Impossível. Seus corpos abrigam novas almas e enquanto não se desfizerem delas, nada posso fazer, além de chorar sobre o leite derramado. O que me consola é que eles foram vítimas e cúmplices de seu próprio desprazer. Matei-os ou roubei-os porque pediram; porque a faca foi cravada com duas mãos e somente uma era a minha.
Não houve prazer, mas também não houve arrependimento.
Aproveito para confessar que já cometi crimes não tão perfeitos. Achei que havia matado, mas nem cheguei perto disso, segundo minhas contas com umas três vítimas. Enganei-me. Não tinha razão para tentar matá-las. Tentei faze-lo pelos mesmos motivos que se matam insetos: Dificuldade de encará-las? Incômodo? Medo? Autodefesa?
Nesses casos, estava com a faca em punhos quando percebi que estava errada. Ignorei-as, deixando-as no local do crime, paralisadas, sem maiores explicações.
Pouco ou muito tempo depois resolvi procurá-las, pedir perdão pelos meus crimes, pelas ameaças e torturas de morte. Hoje vivo com a consciência quase tranqüila. Falta apenas um reencontro, um abraço, uma voz e nada mais para deitar a cabeça no travesseiro e dormir o sono dos pecadores confessos.

P.S: Na foto, eu e minhas quase-vítimas (Arquivo Pessoal).

Hipermetropia


Foi esse o diagnóstico. Nem lembro se perguntei o que era, mas peguei a nova prescrição e saí.


Tão logo cheguei em casa, tardiamente me açoita a curiosidade de saber o significado do diagnóstico. Usando óculos tão assiduamente desde os 7 anos, e chegando ao ponto de quase tomar banho com os mesmos, não me faria diferença a novidade que meus olhos traziam. Mesmo assim, procurei o dicionário.


Logo vejo o que traduzo em vocabulário vulgar: dificuldade ou impossibilidade de enxergar “de perto”.
Fiquei a pensar o resto do dia, da semana...
Eureka! De fato. Belo diagnóstico.

Uma vida inteira procurando o que eu pensava que nunca iria encontrar, pois deveria estar muito longe para que se pudesse ver.
Boba! Estava tão perto que eu, como tantos portadores dessa mesma ‘doença’, não enxerguei.

Troquei meus óculos.
Mudei conceitos.
Escrevi novas metas.
Acrescentei sonhos ao meu futuro.

Das mais belas coisas (Parte II)




(O áudio não está "aquelas coisas" então a letra vai abaixo.)

Na pele branca (Daniel Angi)

Eu sou o indio que nasceu na pele branca

Prá falar pro povo branco o que o índio falaria,
E que na voz do índio, branco não escutaria.

Somos todos iguais, só mudam os ideais
Enquanto um quis viver bem com a natureza,
O outro quis riqueza mesmo tendo que matar.
Enquanto um sabia bem como viver,
O outro quis poder mesmo tendo que matar.

E chega de sacanear, chega de nos enganar,
O branco derrubou nossas florestas, cobriu com asfalto
E aos rios cobriu com merda.
A "justiça" brasileira cade? Que além de devagar,
É cega e não quer ver.
(como que uma raça tão cruel, pode se julgar superior?)

Eu sou o preto que nasceu na pele branca
Pra falar pro povo branco o que o preto falaria
E que na voz do preto, branco não escutaria.

Nós somos só animais, não temos nada de mais
A não ser uma grande inteligência
Na maioria usada com muita negligência
Inteligência muito mal usada,
Em prol da minoria privilegiada.
E se eu te perguntasse a diferença
Entre o branco e os outros povos
O que você responderia?
Que um é de inteligencia curiosa e o outro exercita a sabedoria,
Enquanto um tira a comida da sua roça,
O outro quer conforto e tecnologia.

Eu sou a criança que esperou ficar adulta
Pra falar para um adulto o que a criança falaria
E que na voz de uma criança, adulto não escutaria

O importante é brincar e sonhar e amar sem se preocupar
A vida nos faz crescer e quem sabe esquecer de um grande prazer
Que é aquele de ser uma criança, brincar e dançar
Quando o universo canta.
Nunca deixe o seu sonho merrer,
Os homens se tornam o que sonham ser,
Se você sonha ser um grande ser
A vida pode ser muito boa pra você.

Eu sou o bicho que nasceu na pele humana
Pra falar pro povo humano o que o bicho falaria
E que na voz do bicho, humano não escutaria.
Eu sou a planta que nasceu na pele humana
Pra falar paro povo humano o que uma planta falaria
E que na voz da planta, humano não escutaria...

Daniel Angi é estudante de Ciências Biológicas na UNESP de Rio Claro. Entra nas salas de aula e faz seus shows divulgando seu CD (que ele vende a R$5,00 e passando seu famoso chapéu ao final das apresentações). Suas músicas são conhecidas e apreciadas por praticamente todos os alunos menos alienados e um pouco mais engajados do câmpus.
Esse vídeo foi gravado na apesentação na Semana de Estudos da Pedagogia de 2007. Seus shows "oficiais" como esse lotam o anfiteatro da universidade, deixando gente cantando do lado de fora.
E viva a mídia e a arte independente.