“O menino acabara de chegar na Febem, dentro de um camburão. Depois de um susto, uma senhora se aproximou dele. Pela primeira vez na vida um adulto colocava a mão no joelho daquela criança e pedia licença pra falar com ela. Na Febem, isso não acontecia. Logo, o menino pensou: ‘Ih, essa mulher quer me bater’. Mas ela disse, com sotaque carregado: ‘Eu gostarrrria de falarrrr com você’.
Ele ficou paralisado e disse que morria de pena, pois ela falava tudo errado, certamente tinha língua presa. Ela riu e disse que, onde morava, todos falavam assim. Imediatamente o menino retrucou: ‘Ah, sei, como os leprosos!’ E ela disse que não, que morava do outro lado do planeta, que a terra era redonda, que enquanto aqui era de dia, lá na França era noite.
O menino pensou que ela era doida mesmo e fugiu. Três dias depois se reencontraram em uma rua em Belo Horizonte. Ela gritava: ‘Robertô, Robertô!’E ele pensou: ‘Meu Deus, lá vem a doida francesa’. Mas viu que ela tinha um relógio de ouro e decidiu assaltá-la. Mas ela pediu que ele ficasse em uma semana em sua casa, pois ela precisava gravar uma entrevista.
Imediatamente o menino pensou que poderia roubar outras coisas: videocassete, televisão e dinheiro. E começou a aprender francês, enquanto ensinava para ela a língua dos meninos de rua, algo assim como a ‘língua do pê’. Pela primeira vez, alguém pedia que o menino, que tinha treze anos, ensinasse algo. As conversas eram mais ou menos assim: Ela dizia ‘vopêcêpê espêtápê bempê’? E ele respondia: ‘Oui, madamme!’
Os dias foram passando e ele decidiu que só roubaria a televisão e o dinheiro. Depois, só o dinheiro. E ela, que era casada e voltaria à França em uma semana, ia se esquecendo da viagem de volta. Marguerite - esse era seu nome - renovou o visto de permanência no Brasil por duas vezes e, um ano depois de encontrar o menino, ela conseguiu sua guarda oficialmente. E alguns anos depois, o menino irrecuperável que chegava à Febem se transformou em um professor. Este menino sou eu”.
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