sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Platônico


(Imagem: Fotos e Imagens)

Desde sempre, minha casa foi 'estadia' ou 'casa de passagem' para os muitos gatos de rua alimentados e cuidados pela Dona Joana, minha quase-vizinha da rua do lado. Sempre fui acostumada a vê-los perambulando tranquilamente pelo meu quintal. Acredito que a minha deveria ser a casa que eles mais gostavam: ninguém os tratava como intrusos. Estavamos acostumados com a presença deles.


Isso até a chegada do meu pequeno, porém "neurótico" cachorro. Foi ele crescer um pouco, deixando de ser filhote, e acabaram-se os gatos no quintal. Isso porque ele os odiava. Latia e corria atrás deles. Não sobrava um único para contar a história.


A vingança tarda, mas não falha e meu cachorro, há algum tempo, está ficando velho, 'sono-lento' e preguiçoso. Ainda late um pouco para as visitas, mas não se incomoda mais com os gatos como antes. Pelo menos já não late e não os persegue. Por consequência, eles voltaram. O fato deles voltarem não incomodou tanto a mim e meu sono pesado quanto ao meu pai e seu sono mais que leve, já que eles fazem uma sinfonia em cima do telhado e o coitado não consegue dormir.

Gatos à parte, somente de um me interessa falar, de fato. Eu nunca tive um gato, sempre preferímos os cachorros. Mas com o advento da velhice precoce do meu pequeno cão, a chegada do meu primeiro foi inevitável. Foi num dia, desses "que a gente se sente como quem partiu ou morreu" e estava eu, mais uma vez sentada no meu quarto, olhando através da janela o meu Ipê Amarelo todo desfolhado pelo outono que, pra mim, parecia interminável, quando olho algo se mexendo por entre os galhos. Fixei os olhos e qual não foi minha surpresa quando percebi que era um gato. Ou melhor, era o gato mais lindo que eu já havia visto. Enfiei na cabeça, logo de primeira: cinza, nariz pequeno, olhos bem desenhados, todo delicado...um legítimo francês.


Fiquei mais surpresa ainda quando ele permaneceu me fitando por longos minutos. Longos mesmo. Só para que se possa entender, o ipê fica do outro lado do muro da minha casa, no quintal gigante da vizinha louca, o que não é nem longe, nem perto da minha janela. E ainda assim ele me percebeu. E me olhava, como quem quisesse dizer alguma coisa.


Daquele dia em diante, ele começou a aparecer sempre que as coisas não iam bem, nos momentos críticos, como que querendo me lembrar que tudo acabaria bem. Que o sol sempre aparece depois de um tempestade daquelas. E a cada chegada (acredite, foram muitas) eu o sentia mais meu. Era como se ele me pertencesse.Tive que chamá-lo por um nome. Pensei em chamá-lo Jorge, nome de um professor da faculdade que morou anos em Paris e nos deu um pedacinho da França a cada aula, encantado-nos com tamanha beleza de cultura, mas decidi que Jorge não é lá um nome muito francês. Não me pergunte porque, mais o nome escolhido foi Lafayette. Afinal, pra mim, o gato é francês e merecia um nome à altura. Com o tempo, passou a fazer estripulias pelo ipê que a essa altura estava tão cinza quanto ele, o que ainda me deixa um tanto apreensiva. Ele escolhe os galhos mais finos que puder para ficar deitado ou para conseguir chegar o mais próximo possível de uma rolhinha desatenta. E eu, acometida do que chamo de 'sindrome de mãe sem filhos' chego a perder o ar tamanho o desespero e o medo de que ele caia dali e tenha que abrir mão de uma das suas famigeradas 'sete vidas'.


Lafayette é meu gato-platônico. Ele é meu, mas não sabe. Pelo menos eu acho que não. E isso pouco me importa contanto que ele esteja aqui de vez em quando, só pra me dar um pouco de ação, me fazendo esquecer do que é preciso esquecer e me lembrando que tudo vai ficar bem. Sempre. E que assim seja.

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