sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Um sopro de vida

(Imagem: Evora)

"Se este livro vier jamais a sair, que dele se afas­tem os profanos. Pois escrever é coisa sagrada onde os infiéis não têm entrada. Estar fazendo de propósito um livro bem ruim para afastar os profanos que que­rem "gostar". Mas um pequeno grupo verá que esse "gostar" é superficial e entrarão adentro do que ver­dadeiramente escrevo, e que não é "ruim" nem é "bom".

A inspiração é como um misterioso cheiro de âmbar. Tenho um pedacinho de âmbar comigo. O cheiro me faz ser irmã das santas orgias do Rei Sa­lomão e a Rainha de Sabá. Benditos sejam os teus amo­res. Será que estou com medo de dar o passo de morrer agora mesmo? Cuidar para não morrer. No entanto eu já estou no futuro. Esse meu futuro que será para vós o passado de um morto. Quando acabardes este livro chorai por mim um aleluia. Quando fechardes as últi­mas páginas deste malogrado e afoito e brincalhão li­vro de vida então esquecei-me. Que Deus vos abençoe então e este livro acaba bem. Para enfim eu ter re­pouso. Que a paz esteja entre nós, entre vós e entre mim. Estou caindo no discurso? que me perdoem os fiéis do templo: eu escrevo e assim me livro de mim e posso então descansar."

('Um sopro de vida' de Clarice Lispector)

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